18/03/2013 |por Mapari
Antes
das respostas, eis um pedaço da história recente:
Pela primeira vez
na história da zona euro que, recorde-se, foi definitivamente instituída em
1999, um dos sistemas financeiros dos seus estados membros está a ser forçado a
taxar de forma extraordinária não os juros mas o capital depositado junto dos
seus bancos. É o que está a acontecer em Chipre um país que foi autorizado a
entrar na zona euro em 2008 quando, sublinhe-se, já tinha um total de ativos no
sector bancário cerca de cinco vezes superior ao PIB gerado num ano. Chipre, um
paraíso fiscal devidamente reconhecido e autorizado pelos seus pares, destino
preferencial de muitos depósitos externos, tem visto o seu sistema financeiro
sofrer fortes perdas e stress provocado pelas sucessivas ondas de choque
da crise financeira internacional. Desde os primeiros perdões da dívida na
Grécia (país com o qual há uma forte interligação financeira) que é considerado
inevitável alguma forma de reconhecimento de perdas e bailout em Chipre.
O processo de negociação com os parceiros da zona euro tem durado largos meses
e veio a conhecer um desfecho já em período de plena pré-campanha eleitoral na
Alemanha e após sucessivas provas de fracasso relativamente a vários outros
formatos de bailout testados em outros países europeus.
Invocando uma
singularidade peculiar em Chipre e, segundo notícias da imprensa internacional
das últimas horas, face à pressão do sistema bancário alemão, dos seus
políticos mas também no novo coordenador do Eurogrupo apoiado por alguns
países, Chipre foi sucessivamente confrontado com vários cenários que
implicavam um confisco substancial dos depósitos a prazo por forma repartir com
os seus parceiros o esforço de estabilização do sistema bancário. Só com cortes
nos depósitos haveria empréstimos da Zona Euro e do FMI que permitissem evitar
o colapso total do sistema financeiro cipriota. Após cerca de 10 horas de
negociação os planos iniciais que impunham um forte corte nos depósitos
terminou nos moldes até agora conhecidos que passam por um corte de cerca de
10% nos depósitos acima dos €100.000 e um corte ligeiramente inferior (6,75%) nos
restantes. Ignorando o potencial efeito de quebra de confiança no sistema
financeiro por parte dos particulares à escala europeia, a decisão tomada em
relação a Chipre pode encontrar argumentação que a sustente, contudo, o
referido potencial de quebra de confiança é um risco que pode ter sido
demasiado elevado para ter sido incorrido.
É precisamente no
segundo ramo dos cortes (os que se aplicam sobre quem detém até €100.000) que
se concentram as críticas mais consensuais. Segundo alguns relatos, o próprio Banco
Central Europeu terá considerado não recomendável afetar os depósitos até aos
€100.000. Recorde-se que €100.000 é o valor mínimo de referência para todos os
fundos de garantia de depósitos dos países da Zona Euro. Um valor harmonizado
depois de em 2008 ter existido um risco real de fuga de capitais rumo aos
países que ofereciam as maiores garantia.
O principal receio
é de que não só em Chipre mas em países como Portugal, Espanha, Itália e
Grécia, os depositantes percebam que a salvaguarda dos depósitos até aos
€100.000 seja instrumental de qualquer nova necessidade de acordo com os
parceiros da Zona Euro e não um valor seguro e garantido até às últimas
consequências. O mesmo efeito poderá suceder entre quem tenha poupanças acima
dos €100.000, naturalmente.
Qualquer movimento
significativo de fuga de capitais destes países pode colocar em perigo a
própria sustentabilidade do todo o sistema financeiro tendo um potencial de
gerar um problema sistémico de consequências difíceis de antecipar e travar.
As próximas
semanas exigirão uma atenção redobrada no acompanhamento da evolução dos ativos
deixados à guarda do sector bancário.
Haverá
mais situações destas?
Aparentemente,
fatores como o peso intrínseco de cada país no seio do Eurosistema e o
potencial para poder provocar dano entre os seus parceiros será um fator
decisivo para qualquer toma da de decisão. Ou seja, uma lógica puramente
nacional onde os países que, no presente contexto histórico, têm mais poder
sobre os restantes ditam os termos e não têm receio de implementar medidas que
podem pôr em causa os fundamentos da confiança entre os membros da zona euro.
Os
meus depósitos a prazo estão em risco?
É inegável que se
pode ter aberto uma caixa de Pandora. Hoje já não é possível dizer que os
depósitos a prazo na Zona Euro até aos €100.000 estão a salvo de qualquer corte
a confirmarem-se os termos da proposta do Eurogrupo. Seguramente,e os depósitos
terão um risco muito diferenciado dentro da zona euro dependendo do país em que
estão localizados. Algo que já existia antes destes desenvolvimentos em Chipre
mas que aumentou de forma comprovada com este episódio.
Em suma,
aumentaram, objetivamente os incentivos racionais para não concentrar poupança
em países pequenos ou médios (à escala europeia) que estejam particularmente
dependentes do apoio dos seus parceiros para evitarem um cenário de bancarrota.
Significa
isto que devo levantar todos os meus depósitos?
Não
necessariamente. Estamos a falar de um risco acrescido, não estamos a descrever
um cenário certo, nem sequer um cenário de perda total do valor depositado.
Mesmo imaginando como certa uma perda igual à prevista em Chipre de cerca de
6,75% há custos significativos em muitas alternativas de investimento face a um
depósito a prazo. Por exemplo, a compra de outros ativos ou mesmo de bens
valiosos pode facilmente, fruto da volatilidade associada, representar num
curto espaço de tempo, perdas superiores ao valor potencialmente em risco nos
depósitos a prazo. Por outro lado, um depósito num banco de um estado “seguro”
tipicamente tem de se fazer no estrangeiro e pode exigir residência nesse país
acarretando também custos que numa poupança de até €100.000 pode não se
justificar.
A
recomendação genérica que fazemos será a de que se diversifique a carteira de
investimento de ativos de baixo risco.
- Sim, ter mais algum
capital fora do sistema financeiro pode fazer sentido, seja com reserva no
‘colchão’, seja num cofre bancário.
- Sim, deter alguma parte
da poupança em outras moedas ou valores pode fazer sentido, escolhendo
criteriosamente o investimento e tendo consciência de que há sempre risco
inerente (cambial, roubo, etc).
- E sim, há incentivos
também muito fortes internos e externos para que não se instale a
desconfiança generalizada entre os cidadãos face ao sistema financeiro
pelo que apesar de mais arriscado, ter o dinheiro depositado no banco e a
gerar um rendimento real positivo como acontece agora em Portugal continua
a ser uma opção de poupança legítima e defensável. Pelo sim, pelo não,
ponha alguns ovos noutros cestos, mas não deite a opção dos depósitos
bancários para o lixo das suas opções de aforro.
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